COMO UM POVO DE PESCADORES PRÉ-HISTÓRICOS DO LITORAL ERGUEU UM MUNDO COMPLEXO E EQUILIBRADO EM MEIEMBIPE, A MONTANHA QUE SE ESTENDE SOBRE O MAR.

Fotos: Charles Guerra | Texto: Carlos Dominguez

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Arqueologia revela alguns hábitos e atividades do povo pescador pré-histórico do litoral central de Santa Catarina (5.000 - 1.000 a.C.). Mas os mistérios permanecem, assim como o descaso da sociedade com o patrimônio arqueológico e ambiental do homem de Sambaqui. Por outro lado, aventureiros, empresários e cientistas lutam pela preservação do legado de nossos ancestrais.

Na ilha. A maior ilha. A ilha mais bonita. Meiembipe, diziam os descendentes dos guaranis. A montanha que se estende sobre o mar. Esta é uma parte da história de Meiembipe. Uma história de pessoas, pedras e mar.

Existem histórias que são partilhadas por milhares de pessoas, em milhares de anos. Estas linhas existem para mostrar que esta ilha sempre foi um lugar especial, não importando quem estivesse em seus litorais saboreando as delícias da fartura de proteína, em forma de peixe, crustáceos e até baleias. Foram muitos os ocupantes do litoral. Pelo olhar da arqueologia, temos o precursor, denominado “homem de Sambaqui”, designação genérica para as populações que ergueram as “pirâmides” brasileiras, usando como material construtivo a fartura de conchas, ossos de animais e areia. Depois vieram os Jês e Guaranis, migrantes internos do continente Brasil. Dos Andes desceram os emissários do Inca, trazendo milho e recolhendo conchas. A estrada de Peabiru. Até que em 1500 desembarcam os bárbaros. E começa uma lenta e gradual destruição de um sistema complexo, incompreendido pelos marinheiros de além-mar, e pouco conhecido e estudado até hoje.

Os descendentes dessa forte mescla de povos tentam, hoje, reconstruir o passado, na busca das peças de um grande quebra-cabeça incompleto. Em 2017, todavia, já é consenso para a ciência que a ocupação humana do litoral de Santa Catarina pode ser datada em até 5 mil anos antes do presente. Eram populações que erguiam seus monumentos em complexas relações sociais que permitiam que essa tradição ficasse milhares de anos, no mesmo lugar, desenvolvendo hábitos e técnicas que permitiram viver no local com fartura de comida, habitação, clima ameno e poucas guerras. O que fica? Como a cultura perdura, imiscuída em todos os milhares de indivíduos que deitaram nas praias brancas para fazer amor sobre a lua e estrelas, as atitudes imprevisíveis afloram entre os nativos, colonizadores de além-mar que hoje são o bastião de outra vivência do ambiente, distinta, onde a herança lusa se embaralhou com a dos nativos do litoral brasileiro e ressurge, agora, nas infinitas contraposições a especulação imobiliária e destruição do patrimônio ambiental de Santa Catarina, e pode ser vista hoje na pesca tradicional que persiste em praias, rios e nos costões dos morros, as praias, os rios e os morros, um sistema ambiental complexo e vivo.

A reportagem mostra essas paisagens, contando a história daqueles que hoje, de alguma forma original se relacionam nesta rede improvável. Por dois anos a equipe de reportagem da Ponga mergulhou na vida de pessoas que dão a sua contribuição para que as histórias sobre a ilha seja das pessoas que a habitam. Do mítico homem de sambaqui até os dias de hoje, são muitas vidas que trilharam pelos morros e pelo mar fazendo, deste lugar único, um lar. E estas formas distintas de ocupação do território formam um patrimônio muitas vezes deixado de lado. Aqui se agrupam os que amam a ilha, sua beleza, sua cultura e seus mistérios. Um mundo em profundidade.


Os olhos de Gabriela ficam cheios de água. Suas retinas refletem a imagem que ela esperava nunca ver. O mar escavou uma enorme ferida no Sambaqui Ponta das Canas, o maior monumento autóctone de Florianópolis, no litoral centro de Santa Catarina. Misto de cemitério, local de culto, torre de observação e comunicação, os Sambaquis formam junto com as representações rupestres - imagens gravadas na rocha em imensos painéis - as manifestações culturais mais fortes dos Sambaquianos. A população viveu com fartura de comida na região, em uma sociedade estável de pescadores arrojados, fixa na área muito recortada do litoral, com bacias, pontas, costões e ilhas, usando a riqueza em conchas como material construtivo e deixando suas misteriosas inscrições como mensagem para o futuro: as gravuras rupestres. Essas inscrições de significado desconhecido são únicas no litoral do Brasil. Mais uma das características deste povo que começa a ser desvendada pela pesquisa arqueológica, que hoje já sabe muito sobre os hábitos e atividades dos “homens de Sambaqui”. Mesmo com a falta de incentivo a pesquisa que torna o trabalho arqueológico uma empreitada de salvamentos de sítios em risco de destruição, por obras públicas, turistas desavisados, empreendimentos imobiliários e até a força do mar que ignora os cinco mil anos do Sambaqui de Pontas das Canas e, em um movimento, despedaça a estrutura milenar.

-Eu não acredito! Desabou tudo.

Arqueóloga Gabriela Oppitz avalia estragos no Sambaqui de Ponta das Canas


O rosto e os braços em contínuo movimento de Gabriela indicam o nervosismo do momento. Diante da jovem arqueóloga o Sambaqui de Ponta das Canas apresentava uma imensa cratera, como se tivesse recebido uma mordida gigantesca no paredão de mais de 15 metros que está encostado em um morro há milhares de anos (Gabriela Oppitz fala sobre o fenômeno, confira aqui ). O mar que lentamente se aproxima do local já retirava lentamente fatias do imenso Sambaqui. Mas nada como desta vez.

- Quando estivemos aqui durante o projeto Florianópolis Arqueológica, estimamos a altura do sítio em 19 metros, o comprimento em 89 metros e a largura em 45 metros, correspondendo a uma área de 2000 m². Mas, é claro, essa estimativa está longe de ser precisa. Apenas usamos observações do material aflorado em superfície e perfis expostos. Ainda temos muito que pesquisar neste sítio. Não acredito que está acontecendo isso agora, depois de tanto tempo – desabafa Gabriela Oppitz, mãos nervosas, enquanto procura racionalizar a destruição e pensar em forma de salvamento para o Sambaqui que pretende estudar em uma futura pesquisa.


Arqueóloga Gabriela fala sobre o Sambaqui Ponta das Canas

A arqueóloga caminha de um lado para outro do trecho de cerca de 10 metros atingido pelo desabamento que coloca o sítio arqueológico em perigo. Estivemos ali há um ano e a situação era outra. Bem rente ao chão o mar já escavava, mas de forma lenta. Entre muitas conchas, visualizamos um fragmento de osso humano, originário de um sepultamento. Mas era apenas uma faixa de menos de um metro que sofria com a ação da maré cheia. Agora o desgaste é imenso, tem quase dois metros de altura. Uma rocha desprendida está à frente do local. Mas não é uma rocha. É um fragmento grande do próprio Sambaqui. De perto, pode se verificar que é feito de conchas, areia e ossos.

Os ossos mais facilmente reconhecíveis são os de baleia, identificados por Gabriela, que verifica detalhadamente o local para tentar encontrar fragmentos de cerâmicas, outros ossos e, quem sabe, até artefatos de pedra. O litoral neste ponto é muito fragmentado. A sucessão de praias e morros revela, de perto, um padrão fractal de pedras, minúsculas enseadas, rochas que se equilibram em formatos que nem sequer Salvador Dali imaginaria. São praias que surgem apenas quando a maré recua. Uma estreita faixa de poucos metros de areia, salpicada de rochas.

No alto à esq., fragmento do Sambaqui erodido pelo mar revela estrutura sólida de conchas. Abaixo à esq. osso de baleia e outros animais marinhos aparecem no Sambaqui. No alto à dir, um grande fragmento do Sambaqui na beira da praia. Abaixo à dir., sincretismo milenar: gruta de conchas para a estátua de Yemanjá

Lembro agora que na primeira visita a Ponta das Canas, um ano antes do episódio da destruição, Gabriela comentou: tem aqui perto uma gravura rupestre ( ). Estávamos olhando o Sambaqui pela primeira vez. Para chegar ao local se pega a direita na praia e, passando por uma gruta de conchas feitas para abrigar a estátua de Yemanjá. São pequenas imagens, colocadas ao fundo da gruta, azuis, bonitas, secundadas por um Jesus e um anjo de espada em mãos – e, também, um altar que abriga, ao centro, um cristal retangular, cercado por um colar de contas negras. Ao lado, um coral em bizarra formação, recebe também guias e enfeites na platibanda recoberta por sebo de vela derretida. Adiante, pulando de pedra em pedra, começam a ser percebidas, na margem, em algumas pedras, as marcas de círculos perfeitos, profundos, em forma de cumbuca, onde era dado forma a rocha pela própria rocha, amaciada pela água.

- Aqui tem uma oficina – aponta Gabriela, mostrando as “oficinas líticas” ( ) que se sucedem por toda a estreita orla de uma enseada que deixa o mar ameno e praticamente sem ondas devido à proteção de ilhas como a do Francês e o Arvoredo, além das reentrâncias naturais do litoral.

É o mar suave que delicia turistas do mundo todo no verão e deliciava as populações do litoral há no mínimo uns cinco milênios. Além das oficinas, a paisagem revela na encosta carcomida pela maré um perfil único: uma infinidade de conchas, envoltas em pedrinhas, fragmentos de ossos e terra escura. Esta mistura básica foi por milênios a matéria-prima para a construção que desafiaram o tempo e ergueram as marcas mais importantes do litoral brasileiro: os Sambaquis. Estas peculiares construções marcam a orla do Brasil e do mundo. Existem Sambaquis dos mais variados tamanhos. O de Ponta das Canas foi erguido da praia até a encosta do morro, tendo, hoje, quase 20 metros de altura, com grande parte tomada por vegetação, criando uma confusão visual. Porém, a principal característica do Sambaqui está por todo o lado, conferindo o visual de mosaico branco e negro: conchas, pedrinhas e ossos. Mas principalmente conchas.

Entenda mais sobre a paisagem de Sambaqui através deste infográfico, se preferir clique aqui para vê-lo maior.

Este uso de conchas como material construtivo levou à elaboração de uma teoria que hoje já foi abandonada na academia. Os imensos Sambaquis seriam meros depósitos de resíduos de conchas usadas na alimentação. A ideia, presente até hoje no senso comum, foi descartada definitivamente por pesquisas arqueológicas que demonstraram a estrutura dos Sambaquis, com sepultamentos, restos de fogueira e osso de diversos animais, provando que a cultura dos litorâneos era bem diferente da história até então contada. Hoje, sabe-se que o Sambaqui é muito mais. Os Sambaquis são expressão de uma cultura que está na região do litoral central de Santa Catarina há mais de 5000 anos. Não eram nômades, mas sedentários. Minha imagem é de um artista que vivia da e para a água, do mar e das lagoas. Sepultava seus mortos em templos erguidos com conchas, num paciente e organizado trabalho que durava de centenas a milhares de anos. A presença é tão significativa que, milhares de anos depois, suas obras ainda estão aqui. Pouco que o homem europeu fez tem tamanho alcance e duração.

Horizonte de Ponta das Canas: cinturão de morros cortado pelos prédios das praias de Jurerê e Canasvieiras

Ao lado da praia de Ponta das Canas, uma pequena restinga sinaliza a possível existência de uma laguna há milhares de anos (paleo-laguna), formando a condição perfeita para que os homens de Sambaqui se estabelecessem. Mar, lagoa, morros e mato. E muitas conchas e pedras, materiais de construção perfeitos para erguerem seus monumentos para o futuro. O local recebeu esse nome devido à grande presença de bambuzais. Quando sopra o vento, as “canas” se esfregam e rangem, num retouço feioso, sem ritmo. Para disfarçar, sacodem a folhagem em sibilos esverdeados e leves, retendo o vento e soltando-o em um chiado uniforme que cobre a vergonha do gincho desafinado do bater dos troncos finos que se amontam ao solo, se chocando até as alturas da folhagem. As “canas” são paredes naturais dos abrigos na mescla de praia, mata e mar. A linha sinuosa verde e escura dos morros ao fundo da baia é a mesma há milênios. Ganhou uma barra branca, clara e disforme de prédios irregulares, como uma cicatriz profunda no morro. São as praias de Canasvieira e Jurerê. Também aparece no meio do caminho a ilha do Francês. O topo do Sambaqui hoje é usado pelos pescadores para observar a entrada de tainhas na baia ( ). Uma cadeira de plástico está no cume do Sambaqui, com um pequeno telhado de madeira erguido sobre estacas.

- Esta visão era a mesma. Outro dia estávamos aqui e vimos às tainhas entrando e os golfinhos na volta. O pescador grita daqui para os que estão na praia, com os barcos que iniciam a perseguição ao cardume. Não há porque não acreditar que este costume é muito antigo. Nos Sambaquis temos muitos ossos de peixe, golfinho, tubarão e baleia – afirma Gabriela, mirando no horizonte o mar calmo e que sempre forneceu e ainda fornece muita comida.

A pesquisa arqueológica aponta 17 registros de Sambaquis na ilha, mas pode haver muitos mais. Faltam recursos para mais investigações. Mas não é só isso. A dificuldade é romper o esquecimento de mais de 500 anos que toda e qualquer atividade dos povos autóctones nos legaram. Os portugueses e as hordas de colonos que os seguiram sempre duvidaram da existência de “civilizações” na América. E assim, destruíram o que encontraram sem culpa. Mas nenhum sistema é perfeito. As imagens persistem. Para dar conta da complexidade da organização social dos Sambaquianos é necessário um time de pesquisadores de áreas diversas. Antropólogos, biólogos, historiadores, geneticistas fazem pontes com a arqueologia para mostrar quem era o homem de Sambaqui. Luciane Scherer é bioarqueóloga, especialista em “conversar” com os esqueletos ( ) e extrair detalhes que ajudam a formar um quebra-cabeça no qual faltam muitas peças.


- A gente já fez pesquisa em grupos de esqueletos de Sambaqui e tem muitas coisas que são semelhantes, com as mesmas lesões. Algumas, na clavícula, são muito características. É associada à atividades de remar. Então, estes indivíduos estavam remando. Poderia ser próximo à costa ou mais distante. Por que a gente tem Sambaquis em ilhas adjacentes: dos Corais, do Arvoredo, do Campeche. E eles deveriam ter um conhecimento muito grande das condições do mar, do tempo, por que era tudo no remo. Os membros superiores destes indivíduos eram muito utilizados. Isto deve estar relacionado a atividades voltadas para o mar, como a pesca, o remo e também o uso dos braços para tarrafear. São muitas possibilidades - explica a pesquisadora da UFSC em seu laboratório do MArquE, repleto de esqueletos e fragmentos de ossos em um processo de seleção extremamente organizado.

Luciane é categórica ao afirmar que “era um povo que remava bastante, um povo do mar”. E aponta outras características nestes esqueletos: a "exostose dos ossos do canal auditivo", que é um ossinho que cresce dentro do canal do ouvido e está associado à água fria e ventos frios. Há um percentual relativamente grande nesses grupos. E poderia estar associado a este contato com a água ou mesmo o mergulho. Em populações atuais, essa lesão aparece em surfistas e mergulhadores. Pelo estudo dos esqueletos também é possível descobrir pistas da dieta e da expectativa de vida. Os Sambaquianos viviam no mínimo 50 anos, eram baixos, com no máximo 1,6 metro e comiam basicamente peixes, acompanhados de caça de pequenos mamíferos da região e coleta de frutas, raízes e, claro, os moluscos e crustáceos abundantes das lagunas e paredões dos costões, locais visitados anualmente por leões-marinhos, tubarões e baleias. Os ossos destes grandes animais também foram encontrados nos sepultamentos, na forma de utensílios, ferramentas e enfeites. O acervo do MArquE (UFSC) traz muito desses objetos. A coleção é variada, trazendo todos os aspectos da vida dos Sambaquianos que já foram pesquisados até hoje. Um rico acervo que revela aspectos da vida dos pescadores pré-históricos, artistas da pedra que esculpiam belas formas, mesclando objetos utilitários com obras de arte.



Os colares de dentes de tubarão ( ) dão um toque especial ao acervo do museu Homem de Sambaqui, assim como os grandes ossos de baleia, manufaturados em utilitários com forma de recipientes. E as belas esculturas denominadas de zoólitos, especialidade da pesquisa de Jefferson Batista Garcia, arqueólogo e responsável pelo museu, um prédio centenário no centro de Florianópolis, sede do Colégio Catarinense, ligado à ordem dos Jesuítas. Foi lá que o polêmico padre Rohr, o maior escavador de sítios do país, trabalhou por mais de 40 anos. Reza a lenda que por conta de um culto a uma imagem na pedra que se assemelhava a um santo, o padre, ainda não iniciado na ciência europeia da arqueologia, retirou, à força de dinamite, a pedra com inscrições e a carregou para o Colégio Catarinense. Anos depois, a sua própria atitude o levou a repensar suas atividades, levando-o a dedicar o restante de sua vida ao entendimento das sociedades tradicionais do litoral catarinense. O acervo que colecionou é impressionante. Os esqueletos retirados de vários Sambaquis, os artefatos, os utensílios, as gravuras rupestres, os crânios e zoólitos formam com a arquitetura do local um mundo à parte, atemporal.


Museu do Homem de Sambaqui, no Colégio Catarinense de Florianópolis, tem um dos maiores acervos arqueológicos do país. Criado pelo jesuíta João Alfredo Rohr, traz uma grande coleção de Sambaquianos, com artefatos, esqueletos, gravuras e zoólitos – esculturas em pedra


Encruzilhadas de formação de sentido que povoam a vida de aventureiros que afundam em culturas estranhas ao seu lugar de desconforto eurocêntrico. Mesmo com a dispersão do culto ao “santinho”, a localidade até hoje atende pelo nome de Costão do Santinho, abrigando um resort de luxo que usa o nome e a logomarca baseada nos registros gráficos das gravuras rupestres. Para Jefferson e o pessoal do museu, tudo que envolve o povo do litoral é fascinante e motivo para acaloradas debates. Um exemplo são os zoólitos, as esculturas fantásticas feitas em pedra, obras de arte pré-históricas.

- Os zoólitos foram encontrados em um sepultamento feminino, na praia do Pântano do Sul, em 1975, pelo padre Rohr. Uma característica desse povo é a tecnologia desenvolvida ao polirem suas pedras. Estas peças são um traço identitário. É uma riqueza de detalhes que chama a atenção, como nas lâminas de machado e nos tambetas, os adornos labiais. E os Sambaquianos desta época eram “politicamente corretos”, pois usavam tudo que recolhiam. Vértebras de baleia eram panelas, dentes de tubarão, colares – exemplifica Jefferson.


Os Sambaquis mais antigos da ilha de Santa Catarina são o da praia do Rio Vermelho, com 5.020 anos e Pântano do Sul, de 4,6 mil anos atrás. Os grandes Sambaquis, de mais de 20 metros se concentram na região do litoral sul de Santa Catarina. Entre a base e o topo, existem datações que demonstram uma variação de 2 mil anos. Ou seja, por todo este período, a sociedade que os ergueu utilizou a estrutura. Uma pergunta ainda não respondida é por que por volta do ano mil as construções foram encerradas. A teoria mais aceita hoje é que ocorreu uma grande interação com outras populações que chegaram à região. Como não existem, até hoje, evidências de violência nos esqueletos, é provável que tenha ocorrido alterações graduais nos hábitos. Mais uma amostra de que a civilização Sambaqui fez uma transição pacífica no encontro com outros agrupamentos que chegavam à região, sendo os mais conhecidos os da chamada família linguística Jê, que estiveram na região até por volta de 500 depois de Cristo, quando ficaram frente a frente com a expansão dos Guaranis.

Do centro da cidade, atravessando a ilha até o lado Norte, a paisagem é deslumbrante. O mar calmo, as enseadas e as ilhas acolhem a vida. Há muitos anos. O litoral é acolhedor e recebeu uma sociedade organizada por mais de 5 mil anos antes da chegada dos marinheiros portugueses e espanhóis. A palavra-chave é diversidade. Ambiental e humana. E os Sambaquis simbolizam esta ocupação. Sambaquis e oficinas líticas para a produção de artefatos em pedra utilitários e adornos muito bem elaborados como os zoólitos são, juntos com as gravuras rupestres, os três principais legados do povo pescador pré-histórico que ergueu uma civilização única, amparado pela fartura alimentar, estabilidade política e uma inigualável ciência que lhes permitiu fixar suas povoações na região do litoral central de Santa Catarina por milhares de anos. Senhores das águas, demarcaram com seus imensos Sambaquis as ilhas e enseadas. Mas há mais. O segundo mistério da região são as gravuras rupestres. Esta paisagem será abordada a seguir.


Escavações em Laguna (SC), começaram em 2012, devido as obras da nova ponte na duplicação da BR-101. Arqueólogos da Unisul retiraram do Sambaqui Cabeçudas 23 esqueletos que tem proximadamente 5 mil anos de idade


Dentro do barco, em seu espaço mais baixo, como na pança de uma baleia-franca, balançamos para um lado e para o outro à medida que os solavancos das vagas furadas pela embarcação vão sendo cortados, uma após a outra, impulsionados pelo motor que tique tateia indefinidamente. As mãos do timoneiro dançam em um balé quase impossível, entre rápido, preciso e quase imóvel. Gira um pouco para à direita. Para. Volta para a outra direção. Retorna. Avança para o mesmo lado. Retorna. Solta o leme por poucos segundos, retornando ao contato dos dedos com uma suavidade bronca. Vai e vem. É a sutileza que o mar nunca vai conseguir deixar de ser. Ir e vir. Vai e vem. Com maior ou menor suavidade. Todo movimento. Ir pelo mar é estar no balanço ancestral que sempre existiu. Os que desse balanço se enamoram, nunca o esquecem e vivem a vida em intervalos de retornos ao balanço acolhedor das águas incansáveis.


Vai e vem do timão nas mãos do marinheiro. Homem e mar em sitonia

Dentro da barriga imaginária me encolho a um canto, com a mão sangrando, aperto o corte com um pedaço de esponja suja e fico pensando e penando pelas marés cálidas. As pequeninas janelas da embarcação recortam o chão de madeira entre interessantíssimos instantes de luz e sombra. Iluminação e introspecção. Ver e esconder. O dia foi espetacular. A travessia de barco, tranquila fora a movimentação embalada pelo vento fraco que soprava “mais pra sul”, do começo do inverno, nas franjas das enseadas que recortam a ilha para o lado do imenso Atlântico, colossal deserto de águas infindas.


Imensidão do mar na barriga de um barco, contrates de luzes

Homem e mar, em atividade, juntados desde sempre pela vida e pela morte. Não há imagem mais forte do que o homem e o mar. Não há melhor cenário para o passado se encontrar com o futuro. Uma praia em uma ilha, o homem e o mar, em seu milenar jogo de dar e receber. No pequeno trajeto de ida e volta da praia da Armação até a Ilha do Campeche ninguém fica impassível. Fomos e voltamos e outra paisagem inundou de imagens a minha mente e de Charles, o coletor de imagens. O dia foi fantástico. Começou bem cedo, ameaçado por nuvens que poderiam acabar com a busca do segredo de Sambaqui antes de ela começar. Com chuva, não haveria travessia.




Mas era preciso chegar. Precisávamos encontrar o barco que partiria para ilha do Campeche pontualmente às 10 horas. Nem bem colocamos o pé na praia da Armação, por volta das 9 horas da manhã, e logo estávamos imersos em peixes. Um homem imenso, de chinelos, carrega um balaio repleto de tainhas e outros que são rapidamente disputados por um bando de cerca de quinze pessoas que cercam os dois pescadores que adentram no escuro corredor ladeado de pequenos sobrados que leva à praia, como em túnel para o horizonte aberto do mar, logo ali adiante da praia onde descansa uma frota de barcos de pesca dos mais variados calados, cores e formatos. A algazarra é grande. Todos querem peixe.

Preciso da balança! Traz logo.

- Trouxe sacola? Preciso sacola para pesar.

- Quanto é? Quero três desses aqui.

Ali, as madeiras em formas de barcos coloridos aguardam o momento de ganharem vida ao serem colocadas na água, líquido mágico de transformação de homem em homem-peixe-madeira que mata peixe. Não sabem os que buscam o peixe a ancestralidade desse ritual. As sinalizações que abrem janelas para o passado estão demarcando o local de onde, em 1780, navios se “armavam” para pescar a baleia. A pesca da gigante baleia foi a principal atividade e sustento da população que retirava do mar sua comida e vendia o óleo para que as ruas do Rio de Janeiro tivessem luz e o velho imperador ler seus livros. Há quantos milhares de anos a baleia fascina e desafia o homem, pequeno, aproximando-se do litoral como fazem as baleias francas nestas paragens. Será que estes pontos, demarcados há tanto tempo como locais de pesca pelos litorâneos, tinham relações com os imensos cetáceos? Interrogações que me moviam no mar de assombros que se oferecem para quem mergulha no passado. Assombros astutos e esguios teimavam em deixar-se visíveis em rápidas sutilezas que são passíveis de ser vistas de soslaio, nos momentos de vigília atenta do cotidiano. Indago pelo barco que vai para a ilha de Campeche, mas me indicam retornar à rua, para um pequeno escritório com cartazes informativos e turísticos, convidando os veranistas a conhecerem por valores caríssimos o paraíso de água verde e areia branda chamado de Ilha do Campeche.

Mas os cartazes que me chamam atenção são para um mergulho no tempo de antes de tudo isso. O tempo selvagem, ainda não domado por convenções artificiais, distintas do ciclo da natureza, senhora do poder demarcador. Um tempo tão duro que só podia ser marcado pela pedra. Vamos viver a cultura pedra. No começo da galeria dos pescadores, uma peça discreta que tem porta para a rua estreita onde um letreiro indica a diferença do local em relação às demais habitações, todas ligadas às muitas atividades da pesca. Ilha do Campeche, patrimônio arqueológico tombado pelo Iphan. O pequeno escritório mal comporta uma mesa e uma maquete, com duas pessoas. Ali dentro, um rapaz recém-chegado de bicicleta me mostra uma maquete e indica onde iremos ver as gravuras rupestres. Aqui é a ponte de dois mundos que se encontram.

Hoje, o lazer em uma ilha de praias paradisíacas leva milhares de turistas em toda a temporada de verão para desfrutar a ilha. Mas, como em muitos locais da ilha de Florianópolis, o passado invade o presente, insolente, reconfigurando paisagens de praia que se transforma em sítios arqueológicos. Depende de quem olha. Depende do que se busca. Naquela manhã, o rapaz de camisa azul não parecia buscar nada em especial. Indagou se iríamos para a ilha com o barco da associação. Digo que sim.






- Vamos para o Píer então, pois eles são pontuais no horário – conta ele, enquanto deixa a bicicleta dentro escritório minúsculo e coloca a mochila nas costas e os óculos escuros no rosto – É por aqui – me indica e apura o passo.

Sinalizo para Charles que estava fotografando os grafites na entrada e atravessamos a galeria até a praia, seguindo por meio dos barcos até se aproximar de um caminho que, entre pedras e degraus de madeira encaminha para o píer. Logo na escada de acesso uma grande placa verde reforça a informação do destino: Ilha do Campeche, patrimônio arqueológico tombado pelo Iphan SC. Vou conversando com o guia Lucas e seu colega que se juntou ao grupo. Charles fica bem para trás, fotografando. No píer de madeira da praia da armação, um grupo de não mais do que 10 pessoas embarca para fazer a travessia. Carregam isopores, fardos de comida, mochilas, aparatos e víveres. Sabem de cor o destino. Pertencem ao clube. Desde 1940 a ilha do Campeche é ocupada por uma associação. Já houve muita coisa por lá. Pesca, pesca, pesca. Há muitos anos.

Há milhares de anos. O pessoal do barco informa que está saindo. Agora. Embarcamos. O sol abre uma circunferência abafada que resplandece às 10 horas da manhã. Não choverá. Ao menos não aqui. À medida que ao barco se aproxima da Ilha do Campeche, depois de 40 minutos, a pequena praia cercada de verde passa a oferecer sua areia branca para os pés que descem na ilha. Quantos já olharam esta mesma paisagem. Quantos pensamentos em um turbilhão de ideias que vem sendo legados de geração em geração apenas pela força da imagem. Verde e pedra. Areia e mar. É um local único e ao mesmo tempo todas as praias da humanidade. O barco se aproxima lentamente. Ao final, desliga o motor. A corda é lançada para os que surgem na praia, direcionando a atracação para um ponto pré-definido que só olhos marinheiros identificam. Não há trapiche. A água é tão verde e a areia tão branca que seria um crime não colocar nela os pés desnudos. A sensação é de felicidade, mesmo para os senhores idosos, pescadores aposentados que passarão o fim de semana nos alojamentos que repontam em meio ao mato alto. Os pés descalços na areia da praia e as pegadas inevitáveis, outra cena clássica que devolve aos tolos homens modernos em férias um pouco de decência inata ( ).

Aqui nesta ilha habita um segredo. Nos poucos quilômetros estão mais de 167 gravuras rupestres e oficinas líticas, em nove sítios arqueológicos já catalogados, feitos pelos habitantes primeiros desta região, em povoamentos que nunca foram datados cientificamente. Enquanto seco as roupas ao sol, na areia, fico a divagar. “Estes caras sabiam escolher bem onde viver”. Na ilha de Campeche as gravuras rupestres estão por todos os costões que fazem a margem oeste da ilha, sempre voltadas para a direção do nascer do sol, para o mar aberto. As imagens, chamadas de painéis ou letreiros pelos pescadores, podem ser avistadas nitidamente do mar. Da pequena enseada que serve de praia e é usada pelos pescadores e turistas até o outro lado da ilha, onde estão as primeiras gravuras, leva-se pouco menos de 20 minutos de caminhada, por uma trilha fácil. Nem bem saímos de perto das casas, inclusive da que serve de abrigo para os guias do Iphan, e topamos com a primeira marca. Ao lado de uma imensa árvore, no chão, diversas circunferências cheias de águas são como espelhos em cima de uma rocha pouco elevada. O local está identificado por uma pequena placa: oficina lítica, sítio arqueológico ( ). Neste local, por fricção, os Sambaquianos davam forma à pedra, polindo e moldando seus artefatos criativos e artístico-funcionais. Lucas informa que na ilha e em outros pontos os vestígios são sempre em três: Sambaquis, oficinas líticas e gravuras rupestres. Seguimos em frente, morro acima, como sempre.


Reflexo de mundos que se encontram nos espelhos. Oficina lítica servia para fazer instrumentos de pedra e hoje é um espelho natural

As árvores da mata fazem uma sombra efetiva. E o cheiro dos araçás é forte e doce. O ambiente fica como que em meia luz, até que irrompe uma clareira entre as rochas, enchendo de luz os desfiladeiros que apontam para o mar aberto. Mar azul, com vagas que se jogam nas rochas. Não há praias de areia deste lado. Entre as escarpas, vamos caminhando até os painéis, descendo pelos costões, onde apenas resistem vegetações rasteiras e gravatás espinhudos, levados por Lucas. Tem pessoas que só conhecem. Outras gostam daquilo que conhecem. Lucas é do segundo grupo. Com 8 anos de idade, esteve pela primeira vez na ilha, ainda criança, levado pelos familiares, pescadores. Um tio foi quem primeiro lhe mostrou as gravuras. E até hoje Lucas se impressiona com elas e com o sentido desconhecido do que foi gravado em rocha há tantos milênios.

O “letreiro” e a “máscara” são as mais conhecidas e emblemáticas gravuras da Ilha do Campeche. O primeiro é um rochedo vertical com cerca de 15 metros, localizado na região central da ilha, no leste. Um imenso painel que pode ser avistado do mar. Nele, diversas informações dispostas em linhas, uma sucessão de triângulos e losangos, pontos e quadrados, linhas e alguns círculos concêntricos. O local é de acesso difícil. As gravuras apontam o horizonte, indecifráveis, reverberando suas imagens nas ondas que quebram logo abaixo, no mar azul claro, tão azul claro como a camiseta que Lucas usa, onde a estampa remete para o letreiro que ele me aponta com a mão de dedos curtos e fortes. O guia fala em vagas de frase que me atingem os tímpanos de leve e intermitentemente, formando uma visão e um ritmo de mar em meu pensamento. A voz do ilhéu é a tradução humana do ritmo do mar. As palavras vão e vem formando imagens como as ondas formam as imagens nas rochas. Cotidianamente, um pouco a cada segundo do sempre, os homens e mulheres que ergueram os Sambaquis marcaram as rochas de diabásio, usando instrumentos também de pedra, em movimentos repetitivos que demoravam horas a fio de trabalho diante do mar que os inspirava e marcava suas existências.


A Ilha do Campeche, localizada em frente ao litoral Norte da Ilha de Santa Catarina, é o sítio arqueológico que possui a maior quantidade de gravuras rupestres do Brasil. A ilha foi tombada pelo Iphan e possui serviço de visitas guiadas e controle o número de visitantes



Enquanto os Sambaquis e seus sepultamentos oferecem algumas respostas e muitos mistérios, as gravuras rupestres jogam pouquíssima luz em nosso entendimento dos momentos obscuros do passado. Para a arqueóloga Fabiana Cormelato, que fez sua tese de doutorado sobre as “representações rupestres” do litoral centro de Santa Catarina, onde fez um levantamento detalhado dos sítios do litoral central catarinense ( ) as inscrições são a expressão do imaginário de quem as elaborou, embora a impossibilidade técnica de fazer datações na pedra não permita afirmar quem de fato fez as inscrições, ou quando as fez. Mas são janelas do passado. Um código visual comum destes pescadores pré-históricos.

- Representação é algo que a pessoa idealizou, imaginou e ela vai projetar a imagem mental no suporte, na rocha. Este grupo compartilhava um código visual comum. Por isso a gente vê a repetição das formas geométricas, tanto no tamanho quanto nas formas em si. Tem uma cultura partilhada ali – explica a arqueóloga.

Para Fabiana, apesar de as inscrições até hoje encontradas estarem restritas a área do litoral centro, é necessário um novo trabalho de pesquisa para verificar, em toda a costa e ilhas, o que pode revelar novas descobertas. Só a arqueologia pode acessar esta paisagem. Hoje, no cotidiano da população, não se percebe esta paisagem e não se dialoga com os sítios. Uma das poucas tentativas para romper esta “memória do esquecimento” das populações originais foi o tombamento da Ilha do Campeche pelo Iphan, em 2000, que resultou em intervenções para que o patrimônio arqueológico da ilha (gravuras rupestres e oficinas líticas) tenham acesso facilitado por trilhas e acompanhamento de guias credenciados o ano inteiro.

- Esta imagem tem por tudo. A gente chama de máscara por que estes dois losangos se repetem, formando os olhos – diz Lucas Pires, bisneto do capitão Isídio Pires, um dos primeiros portugueses na praia da Armação, do tempo da pesca da baleia, enquanto me explica as linhas que estão no bloco de rocha perfeitamente liso de uns 2 metros de face por onde meus dedos tocam os sulcos que formam as figuras.




A superfície da rocha não tem nenhuma saliência ( ). É muito lisa nos sulcos. Fico impressionado. Meus dedos refazem o caminho da imagem, vagarosamente, as pontas das mãos percebendo a fria superfície. Os gestos que faço com os meus dedos não são meus, não tracei aquelas formas. Fico próximo ao passado fazendo um gesto que não é meu. Impossível dizer. Mas a marca existe. Foi feita de forma admirável no esforço pedra sobre pedra. Esta imagem conversa com meu imaginário, não com minha razão. Felizmente. Assim ocupo todos os sentidos para sentir o momento do mar na rocha, da onda que salpica a pedra e faz rastros milenares, intermináveis, em um entendimento de tempo que é muito mais infinito do que a razão humana. Se o mar escreve na rocha, por que também não posso? E lá está a marca milenar. A ciência moderna ocidental nem ao menos consegue datar o tempo desta inscrição. Datações por carbono 14 são inúteis para pedras. Os círculos, as linhas e os pontos estão lá, à espera de uma chave que não existe. Não há interpretação, só sentimento. E imagem. Ali estou, dependurado em um costão rochoso conversando com Lucas, no sol de meio dia, como se nossa vida dependesse do resultado desta prosa interminável. E de longe, oitavado nas lentes de sua máquina, Charles a capturar nossas imagens. Sol e pedra aquecem a temperatura. O céu, inexplicavelmente azul. Raras nuvens aliviam nossas caras suadas. Ora da entrevista. Pego o bloco do bolso, o lápis e me sento, tirando o boné para enxugar a água com sal que escorre dos poucos cabelos emplastados.

- O que mudou com o tombamento da ilha?

- Antes não havia controle algum. Muita coisa foi depredada, pixada. Agora é obrigado que a caminhada seja monitorada. E há um número controlado de pessoas. Oitocentos por dia.

- Agora parou a depredação?

- Está mais controlado. Ainda tem, mas é pouco. A gente vem junto com os visitantes e acompanha na trilha. Mas tem barcos particulares que também desembarcam. E aí fica sem acompanhamento

- A “máscara” nunca teve depredação.

- A única depredação que teve foi que explodiram ela, dinamitaram, foi uma invasão dos espanhóis, eles pensavam que devia ter algum tesouro dentro da rocha. E esta é uma das poucas que não está virada para o mar – explica Lucas, mostrando que uma das pontas da pedra foi nitidamente “arrancada”.

- Tu que és morador daqui, tu te sentes como se isso tudo fizesse parte da tua história. Um descendente dos que fizeram estas gravuras na rocha – arrisco.

- Eu me sinto mais como se fosse um invasor da história deles .... como os povos do Sambaqui, aqui do litoral, receberam invasão dos Jês, e os Jês dos guaranis, e depois os portugueses, agora a gente sente tá aqui invadindo a cultura de outro povo, e nem sabe o que significa. É necessário que alguém invente uma forma de preservar, pois ela vai sofrer com a erosão, e mais cedo ou mais tarde vai acabar sumindo. E quem viu hoje, amanhã não vai ver – alerta Lucas, demonstrando fatalidade e preocupação com o destino dos monumentos que tanto lhe importam.



Ilha do Campeche e as inúmeras oficinas líticas usadas pelo homem de Sambaqui


É o alerta de uma pessoa que sempre se fascinou com as gravuras. Por isso hoje ele é monitor e condutor ambiental. Fez o curso do Iphan para acompanhar os turistas. E repartir seu fascínio e interagir com pessoas do mundo inteiro que vem conhecer este patrimônio. Lucas me conta que o turista europeu chega à Ilha do Campeche já sabendo das inscrições. E falando de outras semelhantes espalhadas pelo mundo. Já o turista nacional ainda está restrito aos encantos de praia, sol e cerveja. São outros sentidos.

Hoje, os pesquisadores não buscam mais decifrar o sentido, perdido nos milênios. Porém, a sua exaustiva análise permite elucidar muitos aspectos da composição elaborada. Estas inscrições revelam que a população tinha grande conhecimento matemático e de geometria. As formas geométricas são idênticas e alinhadas. Há inversão da figura, como no espelho, translação (repetição da forma) lado a lado ou rebatida (o inverso), sequências de linhas em zig-zag que alguns chamam de máscara.





- Então a gente tem rotação, translação, simetria e progressão geométrica. É muito rígido e preciso. E são horas de trabalho, de picoteamento e depois polimento. É provável que este polimento tenha ajudado na preservação – arrisca Fabiana, que percorreu grande parte deste litoral em seus muitos anos de pesquisa.

O mar não cansa. O povo de Sambaqui era mar e não cansava. Durante horas as pedras escolhidas eram “picoteadas” ou “polidas” com os instrumentos líticos ( ). Pedra contra pedra, as mãos fortes produziam o som que ganhava a ilha, diariamente. Nas oficinas, os artefatos eram preparados para depois esculpir as rochas de diábase, que se formam em diques extensos na face leste da ilha do Campeche. São desenhos distintos. Alguns são sucessões de retas e circunferências, outros, figuras geométricas elaboradas. E as gravuras não podem ser pensadas isoladas, mas sim em seu conjunto e localização geográfica ( ).

- Se você colocar estas inscrições no mapa e começar a associar com a geografia, se percebe que além desta gramática plástica comum elas permitem intervisualizações entre diferentes pontos, justamente por que este litoral é mais recortado. E as inscrições acabam justamente nos dando uma ideia de integração, de uma população que residiu ao longo deste trecho, mas que estava integrada pela paisagem, pela geografia e por esta gramática plástica comum. O que nos indica uma organização social mais complexa. Tens a população toda dispersa e, ao mesmo tempo, reunida por laços e redes de trocas, inclusive de pessoas, casamentos, enfim – explica a arqueóloga Gabriela do Iphan.

São praias que surgem apenas quando a maré recua. Uma estreita faixa de poucos metros de areia, salpicada de rochas. E as gravuras estão lá, em sua grande maioria virada na direção leste e visíveis para quem margeia de barco os litorais das ilhas e costões. É um patrimônio relegado ao esquecimento.

- 500 anos de destruição colonial e na modernidade não se consegue perceber esta diversidade antes do 1500. A gente não consegue perceber esta memória do passado que são os sítios. A monumentalidade de um Sambaqui é tão representativa quanto uma pirâmide. Há impacto visual na paisagem. Em cima de um Sambaqui você tem o domínio total da paisagem, 360 graus. São sítios reconhecidos internacionalmente que o Brasil ainda não deu o devido valor. A experiência das populações leva à repetição dos mesmos locais para pesca. Os mesmos locais de milhares de anos. A relação na paisagem é muito evidente. A ocupação do território pelos Sambaquianos ficam tímidas reminiscências que podemos reapropriar. Os jovens precisam vivenciar o patrimônio. O encantamento é outro. Sem envolvimento da comunidade não existe preservação do patrimônio arqueológico – provoca Fabiana, comparando a pesquisa arqueológica do Brasil com a de países do exterior.

A pedra abriga gravuras que foram feitas com um trabalho árduo e lento de quem não tinha pressa na alma. Há cinco mil anos atrás do tempo presente eles já estavam no litoral. Os Sambaquianos gostavam do belo. E gravavam sua vida em rocha, com rocha. Passaram milhares de anos e o local, para sempre sinalizado, atraia os navegantes de todos os locais do mundo para aquelas paisagens maravilhosas. Havia a indicação. O caminho estava sinalizado por letreiros gigantes que não necessitam de tradução. Ali estão eles. Esperando para levar a travessia do tempo. Quem vivia nesta paisagem tinha um imaginário de mar, rochas, florestas, peixes e uma variedade incrível de animais marinhos. À noite, um céu inundado de estrelas, planetas, cometas, dançava sobre suas cabeças como a imensidão infinita do pensamento.

Quando desembarcamos, de volta à praia da Armação, depois de um dia repleto de ideias e imagens ( ), vamos caminhando em silêncio pela praia. Lucas e o colega se despedem. Ali ao lado, na água, um grupo de rapazes coloca um barco na água, partindo para a pesca.

- Posso ir com vocês? - indaga o menino forte de não mais do que 13 anos, de pés descalços a correr pela praia até o barco.
- Venha – respondem do barco.

E o guri embarca rapidamente, sem delongas. Ele também é do mar. Não vacila.






TRILHAS SEM FINS


Rodrigo Dalmolin estava sentado sozinho em um pequeno banco de madeira em frente à pequena capela da Praia da Armação. Tranquilo, tinha uma pequena mochila ao seu lado. O corpo alto e magro vestia uma calça e casacos leves. Aguardava em paz, alheio ao pequeno burburinho de turistas que chegavam afoitos em vans, coberto de parafernálias mil para passarem o dia ou algumas horas na praia. Desço do carro enquanto Charles procura um lugar para estacionar, uma dificuldade imensa nas estreitas ruas da antiga vila de pescadores. Vou de encontro a Dalmolin, que me recebe com um sorriso calmo. Ficamos conversando, eu me apresentando de forma mínima e justificando o atraso de meia hora por causa do pesado trânsito para chegar até o Sul da ilha. Existem pessoas que não necessitam muitas apresentações. Fizera contato com Dalmolin para que ele nos levasse a uma trilha nos costões, entre a praia de Matadeiro e Lagoinha do Leste, em busca de uma gravura rupestre recentemente avistada. O homem de 39 anos topara a caminhada na hora, sem muitos porens. No decorrer do dia eu iria entender bem o motivo.

Para chegar ao começo da trilha, saímos da armação, atravessamos o rio Quinca Antônio, entramos na praia do Matadeiro, sempre indo em direção à direita, ao sul. Como a praia não tem acesso de automóveis é, hoje, muito tranquila. Na época da pesca à baleia, era o local onde os leviatãs eram mortos e despedaçados. Entre as duas praias, separadas pelo canal que é a saída ao mar da Lagoa do Peri, em um pequeno istmo, um morro baixo abriga mais um Sambaqui inexplorado da ilha. Fora ali que Lucas, nossa guia na viagem ao Campeche nos contou a história da caveira retirada a pazadas pela polícia. Os Sambaquianos nos rondam. A destruição do legado nos preocupa tanto quanto a beleza dos locais extasia a mente. E a conversa geral dos moradores mais antigos sinaliza para a deterioração do potencial de produção de alimentos vindos do mar: a pesca milenar.

Estávamos atravessando os 850 metros de areia da praia de Matadeiro, mais ou menos na metade do caminho. Eu queria estar imerso no imaginário de pedra-mar-floresta-sal. Neste momento, como uma sequência direta da conversa firme e franca que vamos mantendo, depois dele nos ouvir explicar com detalhes os impulsos de nossa busca profunda pela paisagem do homem de Sambaqui, Dalmolin demonstra rápido que entendeu a mensagem.

- Aqui tem uma caverna. Tem umas inscrições. Querem ver? - indagou.

- Claro, se antecipa Charles – tem gravuras lá?

- Tem, mas não se sabe se são atuais ou das antigas.

- Vamos lá – completo.


Rodrigo Dalmolin, explorador da ilha, mostra gravuras em caverna na praia do Matadeiro

Logo atrás da ruína de um antigo bar de praia, uns 200 metros adiante, em meio a dois morros paralelos, o chão úmido denúncia água que desce do topo em pequenas e fracas cascatas, mais para pequenos córregos que descem a rocha quando chove. Mais ao fundo uma mancha escura sinaliza a fenda da caverna, alta e disforme, lembrando linhas mal desenhadas. Passamos por uma imensa rocha que quase fecha a visão do fundo da caverna e vamos entrando alguns metros até o escuro dominar a visão. Dalmolin acende uma luz e vai nos orientando. A caverna inicia alta, mas logo temos de nos abaixar. A uns três metros da entrada, em uma saliência que marca uma curva, Dalmolin nos chama e pede para que nos aproximemos para ver as inscrições. Os desenhos geométricos são fracos, mas estão lá.

- Alguém do Iphan já avaliou estes desenhos – pergunto?

- Que eu saiba não. Mas podem ser só das pessoas que usam a caverna para fazer festas – diz Dalmolin.

De fato, as marcas de usos recentes da caverna são muitas: restos de fogueira, garrafas, latas de cerveja, inscrições de anos e nomes nas paredes e muitos outros restos civilizatórios do homem-praiano-turista. Depois de esquadrinharmos as paredes e registrar as imagens seguimos em direção ao fim da praia, onde um imenso morro verde contrastava com o fim da praia de areia branca e o mar azul claro. Onde o morro encontra a praia pequenas casas de madeira conferem o aspecto de aldeia de pescadores que o restante tomada de pousadas e bares perdeu para a ocupação desordenada da orla, característica da maioria das praias catarinenses. Uma pequena placa indica a trilha ( ) e os quilômetros até Lagoinha do leste. Fazemos a fila indiana e seguimos falando bastante. Dalmolin se revela uma figura rara, com um imenso conhecimento da ilha, de suas trilhas e seus encantamentos menos conhecidos. Leva uma vida de aventureiro, já tendo arriscado a vida em muitos momentos para conseguir realizar seu sonho: conhecer todas as cavernas marinhas da ilha.

- Conta aquela que tu teve que pular do penhasco e cair na onda para conseguir ser jogado na entrada da caverna – dispara Charles, que já conhecia o aventureiro de outra reportagem.

- Como é que foi isso – indago, curioso.

- Bom, esta foi complicada. Ali eu vi que estava no meu limite. Tinha de aproveitar a onda certa para chegar na entrada da caverna. Não tinha outro jeito. Ai... eu me joguei e a onda me colocou perto da entrada da caverna. Consegui entrar e ainda fotografar. Tem de sentir o mar e as ondas – explica calmamente, como se fosse algo apenas um pouco perigoso.

Mas não é. É muito perigoso mesmo. Mas está é a vida de Dalmolin.

Enquanto seguíamos na trilha, subindo e descendo morro (um antigo problema pessoal com subidas íngremes que teria de enfrentar mais uma vez) Dalmolin falava de seu trabalho de demarcação de trilhas e do acompanhamento de pesquisadores que buscam os sítios arqueológicos mais inacessíveis. Vamos num bom ritmo de caminhada, até que em um topo de morro, a vegetação rareia e surge a vista panorâmica dos costões. Acostumados que estamos de ver beleza só nas praias, os costões guardam encantos para os pescadores e trilheiros. No enfretamento milenar do mar com as rochas, ao pensar geologicamente, surgiram as praias do desgaste dos morros. E os costões, praias do futuro, são belos e imponentes.

Em uma das muitas rochas uma mancha escura nos chama a atenção. Não dava para saber bem o que era. Nem com a lente zoom ficou nítido. Continuamos a caminhada por mais meia hora até que Dalmolin nos avisa que (neste ponto) teríamos de sair da trilha e descer no costão a caminho do local das gravuras.

- Aqui a trilha é mais difícil, cuidado – alerta Dalmolin.

Vamos descendo o barranco coberto de vegetação até as rochas da beira do mar. Vagarosamente. Quando chegamos às primeiras rochas, Dalmolin aponta para uma imensa pedra a frente onde existiriam oficinas líticas, local de confecção de instrumentos de pedra. Quando chegamos ao ponto, pulando pelas pedras, um imenso vulto negro se joga em direção ao mar. Um leão-marinho que estava ao sol. E logo adiante, na outra ponta, mais leões marinhos nas pedras e também no mar. Os animais são magníficos. Pesados e lentos nas pedras e rápidos e graciosos na água. Sento na pedra que adentra ao mar a observar os leões-marinhos e escutando seu grito forte, que justificam o nome. Na pedra que avança no mar, perto de um amontoado de palha seca, estão as oficinas líticas. Ali, o povo de Sambaqui trabalhava para depois esculpir as gravuras. Pedra, água e o mar vasto e vivo, fonte de comida e transporte.



Colônia de leões marinhos mostram a vida nos costões

Seguimos pelas escarpas, em direção ao meio de uma baia, subindo e descendo as paredes de pedra, com Dalmolin apontando os caminhos invisíveis. Depois de uma descida íngreme, ele indica um pequeno local, onde cabemos os três e mais nada. Dalmolin senta, tendo as costas o morro onde se percebe um caminho de água que escorre e os musgos negros que se agarram na parede. Bem à frente, uma imensa rocha com uma face reta, que está toda gravada. Chegamos. Sentamos os três a conversar. Um gancho de ferro no morro indica que pescadores usam o lugar para amarrar redes. A relação quase direta da pesca de hoje com as marcas deixadas pelos pescadores pré-históricos é evidente. Olhando a frente, uma minúscula ilha reponta no horizonte:

- É a ilha do Campeche – revela Dalmolin.

Ali, ao alcance da visão, a ilha do Campeche.

Ilha do Campeche avistada do meio da trilha


- Eu estava aqui, procurando uma caverna marinha, já sabia que haviam gravuras, e quando parei para descansar, com a cachoeira nas costas, coloco o olho na pedra e logo sabia que eram as inscrições rupestres. Mais tarde eu entrei em contato com o Iphan, que veio aqui com uma arqueóloga e ela constatou que era um sítio arqueológico, tendo de um lado a inscrição rupestre e de outro a oficina lítica. E obviamente eu fiquei muito contente, pois não é todo o dia que se encontra um presente destes. E nós aqui hoje fazemos parte desta história – diz Dalmolin, com o sorriso aberto no rosto.

- E você sente que é um descendente deste povo?

- Foi exatamente a sensação que eu tive quando sentei aqui. Parei, senti e bati o olho. A primeira imagem que me ocorreu foi que há séculos atrás, alguém estava aqui, justamente onde eu estou, e teve este mesmo olhar naquela direção. E nós dois, cada um em seu tempo, estivemos olhando nesta direção ( ).




Caleidoscópio. Olhar por um pequeno ponto e ver o espaço infinito em mutação. Olhar para a gota e ver o reflexo no olho do gato que pisca. Chove na ilha. Os temporais se precipitam, relampeiam entre grossas camadas de nuvens e todas as tonalidades de roxo e negro. Chove muito e eu sempre gostei de quando chove. Menos voando. Mas consigo aterrissar. Espero o Charles no aeroporto – de novo, cena frequente dos últimos dois anos. E ele sempre chega. Mesmo sem gasolina, mas chega. Está na hora de encerrar, eu digo. Mas ainda falta muita coisa, me responde. E sempre vai faltar. Chove e a chuva é boa. Ilha infinita. Caleidoscópio infinito de paisagens e sentidos. Ilha.



O SAMBAQUI INVISÍVEL




Baia Norte. Terra do berbigão e de mais um Sambaqui. A única localidade em toda a ilha que permaneceu com a palavra que os guaranis usaram para identificar os Sambaquis. Para eles, amontoado de conchas.

O casal chega à praia, à tardinha, caminhando juntos, mas não abraçados. Ele vai até a santa no oco da árvore e acende duas velas de frente para o mar. Ela vai para trás da árvore e some da minha vista, reaparecendo segundos depois no galho horizontal que avança em direção à praia, como um caminho aéreo em direção ao pôr do sol que começa a se formar, arroxeado, floreado de preto com azul, pelas nuvens que se movimentam nas montanhas do continente. O rapaz senta ao lado dela. Ficam os dois apreciando o crepúsculo, conversando, rindo e fitando o quadro vivo, imagens de um futuro que os dois podem ter daqui para diante. O namoro é interrompido pela chegada de mais dois rapazes, também de chinelo, bermuda e boné, porém com capacete de moto no braço. Eles descem do mirante natural e vão para longe da minha visão em busca de um sítio mais pé na areia para o grupo. Em um banco ficam a fumar e conversar, na praia, no entardecer, gesto mais humano impossível. Quem nunca fez, desperdiçou sua passada. São coisas milenares. Em qualquer ponto do planeta, humanos olham para as cores fantásticas do pôr do sol. O céu ensinou-nos a pintar. Mostrou todas as misturas de cores possíveis. Por muitos anos apenas olhamos a luz até que alguns desejaram fixá-la em outras superfícies que não o céu infinito ( ).

A ilha me pedia cada vez mais tempo. Eu dava. Feliz. Não sabia aonde iria, mas a travessia era fantástica, percebida não só por minha racionalidade, mas por todos os poros de minha pele que suava em tardes estafantes e se refrescava em entardeceres pitorescos. Ali, na ponta de Sambaqui, olhava para os nativos com uma mistura de inveja e curiosidade. Pensava com meu bloco. Eles, as pessoas do local, são os Sambaquianos remanescentes. Vivem perto do mar. Encontram-se na praia, enamoram-se na lua e fazem amor na areia. Depois vão adiante. Ali, naquele mesmo local, existem indícios de uma imensa pirâmide de conchas, de até 20 metros de altura, que por milênios foi o ponto principal de uma cultura que viveu de forma sedentária na ilha de Santa Catarina e regiões do Litoral Centro de Santa Catarina. Mas faltam pesquisas.

O apogeu da cultura Sambaqui foi até cerca de mil anos depois de Cristo, antes da chegada das populações hoje denominadas como do grupo Jê, na região. A mescla cultural ocorreu e por algum motivo ainda não esclarecido pela pesquisa arqueológica, a criação das gigantescas pirâmides de conchas foi interrompida. Quando os Guaranis ocuparam o litoral de Santa Catarina, depois dos Jês, os homens de Sambaqui só poderiam ser reconhecidos por seus maiores feitos: as pirâmides de conchas, as gravuras rupestres e o modo de vida baseado na pesca e no consumo do berbigão e dos muitos outros moluscos que infestavam as muitas lagoas da orla, local onde o acesso à comida é mais fácil que no mar.

O bairro de Sambaqui é um dos mais isolados da baia norte da ilha. No seu ponto mais profundo, uma ponta, chamada ponta do Sambaqui, se estende de forma ovalada em direção ao mar, como uma cabeça de cobra. Ali é um dos lugares do possível Sambaqui nunca pesquisado. O local mantém algumas casas coloniais, herança da vila de pescadores que um dia foi. Ainda restam poucos ranchos de pescadores de madeira na orla de mar manso, sem ondas, que faz a alegria das famílias no Verão. Muitas construções foram substituídas por casas de moradia irregulares, restaurantes e comércios que impedem a vista do mar para quem circula na rua ou na calçada. Nos poucos pontos abertos ainda, uma canoa “ancestral” abandonada é um marco de um descaso com a história que não consegue ser transformada em suvenires para vender aos turistas, que visitam o local em busca da tradição lusitana e suas lendas metamorfoseadas em sincretismos indígenas-afro-lusitanos: bruxas, bois, pedras, marias, bonecas e rendas.


Canoa abandonada, descaso com a história que não consegue ser transformada em suvenires para vender aos turistas

À noite, a calma do lugar só é alterada quando o barracão azul na praça recebe uma noitada de samba de raiz. Ali se misturam nativos com turistas e ilhéus de outras áreas da Florianópolis metrópole. Na beira da água muito amor, suor e paixão. Nada muito diferente do que aconteceu por milênios. Homens e mulheres buscando prazer e fugindo da dor da sobrevivência nos encantos da areia macia e a brisa amena do mar. Até hoje perambulam os corpos noturnos, perdidos nas contemplações do céu, mar, estrela e lua como que a buscar pensamentos que acalmem as inquietações da vida. O passado milenar apenas sobrevive no nome do local que abrigou uma obra única, o sepultamento onde hoje repousam os esqueletos dos ancestrais, a poucos metros do samba e dos gingados dos dançarinos.

A pesca ainda é significativa para os descendentes dos pescadores coloniais. Mas o cultivo da ostra, prática implantada com apoio governamental na década de 1980, é quem paga as contas anuais, engordadas nas épocas de safra de camarão e peixes como a tainha, ainda abundante, lembrança de tempos de fartura, mas que cada vez mais desperta o temor dos pescadores de que o ciclo de fartura de comida termine. Quantos anos mais para que a atividade pesqueira seja apenas uma palavra esquecida, se indagam os velhos pescadores junto aos seus ranchos de pesca à beira-mar, alvo da cobiça da especulação imobiliária. A abundância de comida na região se devia ao complexo mundo interligado de rios, córregos, lagoas, baias e mar aberto, que no litoral recortadíssimo, com vegetação exuberante e clima de estações bem definidas, permitiu a fartura que facilitou a longa ocupação humana. A cada ano, de acordo com quem vive da pesca, surgem mais problemas e menos pescados. A orla é ocupada descontroladamente. Cinquenta anos de especulação imobiliária intensiva destroçaram mais a ilha e o litoral centro de Santa Catarina, arrasando uma das mais belas regiões do Brasil. E a chave de toda a conservação do ambiente em uma ilha é a pesca, bioindicador categórico. Quando a pesca vai mal, alguma coisa está profundamente errada.



A SENHORA DAS CONCHAS


Aimê dedica sua vida há pesquisar moluscos. O rosto de pele clara tem vários curativos. O excesso de sol já deixou marcas profundas na professora que mantém um laboratório na UFSC para estudar por meio da fauna marinha a situação do mar. Pesquisadora, professora e cientista, ela fala calmamente sobre o objeto de sua dedicação, as conhecidas vulgarmente como conchas. E, por meio de muito trabalho, encontra respostas nessas conchas, inclusive sobre nossos ancestrais, os homens de Sambaqui ( | confira a entrevista de Aimê aqui ).

De acordo com o trabalho de pesquisa que desenvolveu junto com arqueólogos a bióloga afirma que um dos diversos fatores de sedentarização da população antiga, de 4 a 5 mil anos atrás, no leste da ilha, na bacia da lagoa da conceição, foi a abundância de uma espécie de molusco: o Berbigão (Anomalocardia brasiliana), que motivou a mudança de nômade para sedentário. Já na região Noroeste da ilha, foi a Lambreta (Lucina Pectinata). Estas duas espécies são muito dominantes, mas não são só estas espécies de moluscos que aparecem nos sítios arqueológicos. Aparecem também o mexilhão (marisco), a unha de velha (canivete), a ostra e várias outras. Todos estes animais nutriam de proteína (bio-massa) os pescadores pré-históricos, principalmente em momentos que outras espécies de alimentação escasseavam. E hoje, a situação começa a sinalizar a escassez.


Conchas que compõem um Sambaqui são analisadas no laboratório da UFSC

- A biomassa que havia destas espécies e os sítios arqueológicos mostram isso é suficiente para alimentar a população hoje, amanhã e depois de amanhã e, muitas delas, ainda são abundantes hoje. Mas, muitas delas já temos dificuldade para encontrar devido à sobrepesca, ao impacto humano nas regiões costeiras. Então, agora já não tem a abundância em relação ao passado recente. Pela quantidade que a gente encontra nos sítios arqueológicos podemos dizer dizer que eram muito abundantes no passado. E muitas continuam sendo. Já outras estão ameaçadas de extinção por estas questões antropogênicas, como o impacto da poluição diminuindo estes animais e toda a cadeia que depende deles. Ele ainda é abundante, mas teve uma mortalidade muito grande ano passado. E isso a gente ainda está estudando, a mortalidade do berbigão na baia sul e monitorando os estoques naturais para saber se está ocorrendo uma recuperação ou não – alerta Aimê Rachel Magenta Magalhães, professora do Departamento de Aquicultura da UFSC.

No laboratório da UFSC, um grupo de alunos trabalha na lavagem de material recolhido nas visitas de campo, para depois selecionar e classificar. A utilidade das conchas que hoje o turismo transformou em decoração são inúmeras. E os relatos históricos sempre aguçaram a curiosidade de Aimê, fazendo com que também estudasse estas outras relações.

- É impossível falar do agora sem estudar a história. Esta relação do ser humano e os moluscos é muito antiga. Inclusive há relatos de vários navegadores europeus que passaram aqui mostrando que da concha do mexilhão, os nativos eram exímios em fazer com elas navalhas e podiam limpar couros com mais perfeição que um artesão europeu com um instrumento metálico. Não era só na alimentação. Usavam as conchas como instrumentos e também faziam nelas esculturas. Era arte feita em conchas, pois é muito mais fácil do que moldar na pedra. E também brinquedos, lugares para acumular água. É uma relação muito antiga e muito importante e que deve ser resgatada – explana a professora até ser interrompida por um grupo de alunos que vem chamá-la para participar de uma banca.

- Está na hora professora – fala a aluna, um pouco ansiosa.

- Já vou – diz Aimê – Não podem começar sem mim – sorri, cúmplice a senhora das conchas antes de se despedir e agradecer sinceramente a termos a escutado.

A professora explicitou com seu sorriso sincero um sentimento que trespassou todo o processo de apuração desta reportagem. Os pesquisadores e cientistas que estão descobrindo por meio de pesquisas trabalhosas, que duram anos, aspectos da vida dos primeiros habitantes do litoral catarinense, carecem de canais de comunicação com a população. O trabalho deles dificilmente ganha repercussão na sociedade. A academia tem dificuldade de disseminar a produção de conhecimento para a população que a abriga. Da mesma forma que o modo de vida dos pescadores tradicionais e as populações originais não chegam de forma constante na academia. Essa discrepância atrapalha a pesquisa e a vida da comunidade. E é nessa comunidade que estão os personagens que vivem na montanha que se estende sobre o mar.



PARA ENTENDER UM PESCADOR SÓ UM PESCADOR


Conhecidas pelo mundo acadêmico e pela pesquisa científica mundial, o patrimônio arqueológico da ilha é, hoje, pouco lembrado nas conversas cotidianas dos mais de 400 mil moradores do imenso conglomerado urbano da grande Florianópolis, que agrega a ilha de cerca de 55 quilômetros de extensão e uma largura que chega em média a 18 quilômetros. Tudo isso além de porções de área no continente, as cidades de São José, Palhoça, Biguaçu e Tijucas. Entre a ilha e o continente, um canal estreito que forma o que se chama de baia norte e sul. Para os guaranis, era a “pequena boca da água”, ou Y-Jurerê-Mirim.

O bairro de Sambaqui, na margem centro-oeste da ilha, baia norte, adiante de São Francisco de Lisboa, é uma das povoações pioneiras da presença de pescadores portugueses na região, depois de 1600, onde hoje os modestos prédios coloniais dividem espaço com bares, lojas de suvenires, restaurantes que mostram para os turistas da ilha da magia, slogan publicitário da década de 90, o que seria a folclórica vida do “manezinho da ilha”, que é a construção cultural que os descendentes da colonização portuguesa ostentam. Na época, os habitantes da pedregosa península ibérica se viram soltos no luxuriante verde da mata atlântica, onde o mato cobria as pedras marcadas há mais de 5 mil anos por pessoas que ainda não têm um nome definidor. Mas que também eram pescadores. E deixaram sinalizados os melhores lugares de pesca. Por isso vamos aos pescadores. E vamos mergulhar nestas paisagens.



A PAISAGEM DE ROGÉRIO





O mar dá um dia toma de volta. É o que dizem os pescadores. Uma das primeiras famílias de descendência portuguesa a fixar moradia no local foram os Rocha Pires. O sobrenome da família está na principal rua do bairro, na praça e no projeto de melhoria da orla. Sempre foram pescadores. Viveram do e para o mar. Uma amiga me indica um “pescador que fala com gaúchos”. Depois de muitos problemas de contatos telefônicos confusos e quase inúteis, digo para o Charles que temos de ir lá.

- Tá tudo certo?

- Claro.

Fomos. Mas não havia nada certo. Na verdade, Rogério Rocha Pires, não soube me dizer se estaria ou não no mar. Mesmo assim resolvi arriscar. Com uma descrição de boca de onde ir, chegamos próximo ao local. Ai é descer e começar a perguntar. Logo na segunda casa, uma senhora nos manda aos berros para um sobrado esquisito em frente da casa dela. Atravessamos a rua, entramos em um pátio vazio, com uma escada ao fundo e barcos embaixo. Nem viva alma. Subimos a escada e paramos à porta. Chamo pelo nome. Logo aparece um homem de pele bronzeada e cabelos que começam a ficar prateados. Explico o que era e ele nos manda entrar em uma peça atulhada de redes de pesca e encerras de ostras. ( ) Rogério é simpático e depois de uma breve apresentação aceita conversar. E diz que demos sorte, pois só não saiu para o mar porque o tempo não estava muito bom.

Para Rogério, 49 anos, a coisa é desse jeito. A vida do neto e bisneto de pescadores foi sempre em busca do que ele tinha e não se lembrava que tinha. Depois da infância na pesca, partiu em outras direções e acabou trabalhando em um banco por mais de dez anos. Mas, mesmo morando no centro e trabalhando no banco, voltava todo fim de semana para o Sambaqui. Por quê? Porque era mais forte que ele.

- Do que tu sentiu mais saudades?

- Do contato com o mar. De acordar e dar de cara com o mar. Viver o mar.

- Tu saiu e tu voltou. O que fica para o futuro. Tu achas que vai seguir este modo de vida?

- Olha, a tendência é ir diminuindo. Porque eu tive dez irmãos, mas não vou ter dez filhos. Nem meus irmãos. Para seguir o que a gente faz hoje é muito difícil. O que a vida proporciona é outra coisa, não querem mais jogar futebol na areia, ralar o joelho, cortar o pé na ostra para pescar de canicinho. Hoje tu não vês mais ninguém fazendo isso. Então a tendência é que diminua. Sempre tem alguém que vai fazer, mas a tendência é que a indústria passe por cima. Estão querendo criar muitas leis de manipulação de peixe que acaba com a pesca em pequena escala. Vai ter uma hora que a coisa artesanal não tem mais. Faz cinquenta anos que eu vivo aqui e nunca vi alguém morrer porque comeu um peixe... a minha família tá toda aí. Minha mãe e meu pai são vivos ainda e meus irmãos estão todos vivos.

Rogério justifica a ameaça pela deterioração das condições que o próprio meio da pesca apresenta, ou seja, rios, lagoas e o próprio mar estão sendo lentamente inviabilizados. Ele ilustra com o exemplo do Rio ratones, curso de água que delimita o fim do bairro, vizinho da badalada praia de Jurerê.

- Aqui na realidade, o rio ratones, quando fizeram e aterraram para ir para Jurerê assoreou o rio. Tinha o poço das pedras, 20 metros de profundidade, um buracão. Com o aterramento da ponte diminui a vazão do rio e a terra do aterramento dava enxurrada e pronto, acabou o rio, não dá meio metro de água. E aí atrapalha o peixe, o camarão. Tem lugares onde meu pai pegava robalo, pescava amarelo, o borriquete, pegava tudo no rio, pois o peixe entrava para desovar lá dentro. Era o ciclo. Isso tudo afetou a pesca de peixe grande aqui. A obra do ser humano reflete na minha rede. E o camarão também. Agora é época deste camarão branco e as larvinhas tão lá dentro (do rio). Mas se dá a enxurrada, joga tudo para o mar – revela Rogério, tecendo uma tarrafa habilidosamente enquanto conversamos (confira a entrevista de Rogério aqui ).

Sentado em um sofá velho, envolto de todo tipo de material de pesca que necessita, o pescador é um retrato do tempo de sempre. Outra cena que é milenar. Imagens que se preservam em ofícios primordiais que ocupam o ser humano desde sempre. O homem e o mar, unidos pelo ciclo infindo do movimento do morrer e renascer. O mar não abandona os que são do mar. E os que são do mar não abandonam seu ambiente. A paisagem de Rogério é de tranquilidade. A imagem do mar acalma. A lida do mar lhe acalma e desafia. Não importa como o entorno se altere. A emoção do mar é única. Mesmo afirmando que viver ali já foi melhor, Rogério sabe que aquele é o seu lugar, afinal é onde ele vive em paz, mesmo com o aumento da população e a chegada de novos problemas a cada dia:

- Mesmo assim eu vivo em paz. No Sambaqui eu vivo em paz, para mim é uma paz de espírito. Eu curto muito isso aqui. Hoje a minha casa e a minha vida é aqui no Sambaqui.

No bairro de Rogério, um istmo se prolonga mar adentro, fazendo uma ponta ovalada que lembra uma cabeça de cobra. Bem na cabeça, pedras e árvores, redesenham a paisagem ainda hoje usada pelos pescadores, turistas e casais de namorados, o pontal de Sambaqui. Há no meio do pescoço um acúmulo de conchas, seguido de outro morro mais alto que isola o local da praia. Nenhuma pesquisa arqueológica foi feita no único local que tem nome de Sambaqui na ilha. A montanha que se estende sobre o mar não revela seus segredos facilmente. Mas os pescadores ainda estão lá. E a vida ainda está lá.



A PAISAGEM DE PARÚ





Do outro lado do mar, a Toca do Paru é um ponto único no bairro de Abraão, continente, de frente à ilha. Ali, na baia sul, entre os recortes de baias, pontas e pequenas praias, adiante alguns metros da ponta das bruxas, Seu Paru tem o restaurante onde antes havia seu rancho de pescador. Sua Tainha é única, feita na tradição, só por ele e mais ninguém. Figura conhecidíssima, encheu as paredes com retratos em preto e branco de figuras ilustres, na maior parte o pessoal do samba, uma das paixões do senhor de humor sútil, amante da boa prosa, sem muitas concessões aos tempos modernos. E o caráter se revela no modo como faz a sua comida. De uma maneira que é cada vez mais rara. Sem pressa. Com cuidados. Seguindo os ritos do mar.

- O peixe eu mesmo asso. E demora mesmo. Já aviso. Não tem nada pronto de ontem. Tem gente que é apressada, aí não dá. Este peixe eu preparo de madrugada, deixo secando na gaiola, depois de limpo. Ai fica assim. Mas tem de ter o tempo certo, com a maresia, senão, não tem como – explica Parú com o forte sotaque de origem lusitana que se estabeleceu nestes rincões e se aquerenciou ( | confira a entrevista de Parú aqui ).

Simpático e mordaz, Parú centraliza as atividades de preparo do peixe. O restante de sua família prepara os outros pratos e gerencia o local. Mas no pescado, ninguém coloca a mão. Quando ele se ausenta para algum compromisso, seu filho, Gustavo, que ajuda na gerência avisa os clientes que “hoje não é dia de tainha assada”. A simplicidade do local onde você pode comer com os pés na água no verão encanta tanto como a prosa de Parú. E ele adora falar do passado. Indago sobre seu pai, pescador conhecido da região e um dos primeiros habitantes do local. Recebo como resposta o modo de vida de quem vive o mar.

- Meu pai era um cara alto, 1,95m. Pescador e estivador. Chamavam-no de velho Doca. Ele era forte, andava na canoa, à remo, pra todos os lados. Não aceitava rede na pesca. Só tarrafa e linha. A gente salgava o peixe, colocava na folha da bananeira e fazia um varal. O camarão a gente secava num cesto, com sal e colocava em cima da casa. Depois enrolava na folha de bananeira e guardava no armário. Comia de noite, com biscoito e café. Carne era só uma vez por semana, quando meu pai fazia o cozido. E todo mundo comia quieto. Eu tenho 61 anos e me criei comendo tudo, peixe, berbigão, ostra, marisco e camarão. Era muita fartura. Hoje ainda tem peixe, mas o berbigão acabou. Quantas famílias pobres criaram os filhos só com o berbigão. O pessoal que nem tinha canoa, juntava o berbigão, comia e vendia. “O berbigão acabou! E o que acabou com ele foi a poluição - afirma ele, que conhece a água, alterando a voz enquanto intensifica a crítica à destruição.

Para o Seu Paru, a coisa é bem diferente. Não sabe nada deste assunto de Sambaquis. Por ter divido sua trajetória em momentos bem marcados, filho de pescador, levantador de peso e carnavalesco, preferiu viver à beira da água, pescando, fazendo comida, confraternizando com os vizinhos, divertindo-se em festas estupendas e trabalhando pesado de sol a sol, pela lua e pelas estrelas, olhando as marés como se fosse o sangue que corre por suas veias, em fluxos como o das nossas santas mãezinhas que precisavam encontrar um homem em noites quentes de primavera na ilha que tinha uma pequena população em 1930, não mais do que 40 mil pessoas. Sambaqui para ele é só uma localidade, distante.

- Sambaqui é pra lá de Santo Antônio de Lisboa, meu pai saia daqui de canoa e chegava lá, a remo, bem rápido. Homem brabo. Ninguém metia com ele. Comecei a pescar com ele, todos meus irmãos também, a gente sempre viveu do peixe e do marisco, camarão. Comia todo o dia, de manhã, antes da escola, o pão que minha mãe me fazia, com camarão seco que a gente guardava pendurado” – conta, rápido, de um fôlego só, seu Paru, enquanto trabalha na tainha que será servida daqui a meia hora, na mesa de um freguês que vem provar ou rememorar o sabor de um peixe assado marinado à moda portuguesa.

Na mesa de Paru o passado é servido com muito bom gosto. Da janela, o mar. Ao fundo, o morro. À esquerda as pedras. À direita, a mata. Na praia os barcos. Com quem entra na sua “toca” a pessoa especial que viveu muitas vidas e sempre atendeu seus convivas com sabedoria, alegria e sentimentos de respeito ao outro e ao ambiente onde vive. E de onde sai o seu sustento e de muitas outras famílias de pescadores. Do mar. O mar que está no seu olhar, em suas mãos fortes e no ritmo de sua voz. No bairro do Itaguaçu, bacia de São José, Seu Parú olha mais para o passado, onde o mar não era poluído e o esgoto não corria direto para a água. A pesca era muito farta. Para a abertura de uma autoestrada, mais acima, em direção a ilha das conchas, as escavações teriam revelado mais um Sambaqui. Mas aqui também nada foi escavado. E o possível sítio arqueológico é só uma lenda urbana, próximo ao um córrego que virou esgoto e nem nome mais tem.



A PAISAGEM DE ADNIR





Ao lado da lagoa barra há um morro cheio de pedras e mato, rasgado por trilhas de bois alpinistas que os portugueses haviam soltado ao deus dará desde 1700, pensando em fazendas. Entre os morros, os colonos ficavam a lembrar da terrinha, com cantos sofridos e contundentes, o conhecido fado. Chegamos ali já no final da tarde de um dia nublado. Fim de tarde. Tudo vazio. O local, bem próximo ao canal da barra, tem de um lado um restaurante, do outro um posto de lavagem. À frente, um prédio modesto com um painel curioso, onde uma série de cópias de inscrições rupestres chama a atenção. O lugar era este mesmo. Mas não há movimentação. Vamos entrando na ruela e na casa seguinte uma mulher abre uma janela e indaga: o que você querem? Pergunto pelo Adnir. Ela diz que saiu.

- Não sei. Talvez demore.

Como o telefone dele não atende (algo constante) o negócio é exercer um das atividades jornalísticas mais costumeiras. Esperar. Depois de mais ou menos meia hora um carro branco chega fazendo barulho e adentra o local. Levanto-me e abordo o veículo. Era Adnir. Estava em uma demarcação de trilha e havia esquecido da entrevista. Ele vai guardar o carro e logo começamos. Depois da conversa de apresentação vamos para a trilha. Claro que é morro acima.

Adnir nasceu na barra da Lagoa, filho de pescadores, na região onde a Lagoa da Conceição deságua no mar. “Nas pedras pretas”, como diz. Mas o sentimento de curiosidade carregou o homem calmo e sereno, de olhos claros e determinados, a trilhar um caminho como em uma missão. A missão de estudar o lugar onde vive. E o levou a muito mais. Hoje ele comanda o Instituto Multidisciplinar de Meio Ambiente e Arqueoastronomia (IMMA), que fica sediado no começo da trilha que leva ao topo do morro onde ele encontrou e batizou o observatório. Adnir é um obstinado. Fez todo o trabalho de demarcação de trilhas no local e recebe visitas de turistas e escolas. O movimento é grande. Além disso, faz parte do trabalho coletivo de demarcação e preservação de trilhas por toda a ilha. Compõe o grupo de aventureiros que desbravam o lado natural de Florianópolis. Por conta disso, conhecem muito bem a diversidade e o ambiente da ilha e as atividades humanas que hoje ameaçam este muito bem intricado sistema de morros, mato, rios, lagoas e mar. A morada do “homem de Sambaqui” tem seus guardiões e defensores em muitas trincheiras. Esta, na denominada Fortaleza da Barra da Lagoa, é uma delas.

Indago a Adnir sobre as inscrições rupestres. Ele se escapa.

- Vamos ver a trilha. Depois quando voltarmos eu falo das inscrições. Pode ser? - pergunta mansamente.

- Vamos lá então.

A trilha parte do que Adnir chama de plataforma de observação. O local está todo sinalizado. É uma imensa rocha que se apoia em três pedras menores. No topo da pedra maior, uma superfície plana, podem ser avistadas no topo do morro três outras pedras que marcariam o alinhamento do sol no começo das estações, por isso o local foi chamado de Plataforma de Observação. Seguimos adiante até o começo mesmo da trilha, sem antes passar por oficinas de confecção de inscrições rupestres em formas de concreto. Há uma cerca e um portão que Adnir abre, pois havia uma chave. O barco que Adnir usou na pesca e levou o pescador para suas primeiras observações da pesquisa arqueastronômica, em 1986, hoje está em um local de exposição, no começo da trilha.

- Para não me esquecer de onde vim – brinca Adnir, e nos conta que em seus tempos de pescador, a observação de painéis com inscrições rupestres, nas ilhas e costões, sempre lhe chamará a atenção.



Na fortaleza da Barra da Lagoa, no alto do morro, o observatório pré-histórico descoberto por Adnir Antônio Ramos, onde estão marcados na pedra os momentos do equinócio e solstícios, e as principais estrelas como órion, plêiades, sírius e aldebarã


Mas demorou mais tempo até obter as respostas que procurava. Quando ainda era menino, Adnir viu, seguindo para um pesqueiro dos costões, uma pedra outra pedra colocada cuidadosamente sobre três outras bem menores, no topo do morro, hoje denominada pedra-virada. A pedra de cima, a grande pedra virada, lhe chamou atenção. É um pedrão imenso, que recebe um homem com folga na superfície plana de cima, e se sustenta no vazio em três pontos, formando abaixo uma cama de observação tão perfeita que possui uma escora para a cabeça, em pedra. No topo, um observatório astronômico completo. Ali estão definidos, grau a grau, os pontos exatos dos solstícios e equinócios. As estações do ano, as principais estrelas das constelações mais citadas em quase toda a cultura escrita da humanidade, órion, plêiades, sírius e aldebarã. Este é um trabalho autodidata de mais de 30 anos feito de forma independente por Adnir, que não tem seu trabalho reconhecido pela academia. Questão que ele diz não ter importância alguma para o seu projeto de conhecimento.


Mirante da baleia, no alto do observatório astronômico registra as coordenadas de monumentos da antiguidade no mundo inteiro.

Chegamos ao topo da trilha depois de meia hora de subida, já no lusco-fusco do fim do dia. Depois de muitas explicações e filmagens subimos no “mirante da baleia”, uma estrutura de madeira que oferece uma vista privilegiada da “montanha que se estende sobre o mar”. No local, tenho a paisagem em 360 graus. De um lado o mar, na isolada praia da Galheta, local que, segundo Adnir, possui, em sua ponta, inscrições rupestres e até um Sambaqui nunca explorado. No sentido contrário, a lagoa da Conceição e as luzes das casas a volta dela. Na direção norte um maciço de nuvens negras se aproximava, embelezando o cenário. Por trás da lagoa, a montanha. Se de dia a beleza é o verde e suas tonalidades, à noite é o preto que destaca a imensidão da montanha. A silhueta ainda surge marcada pelo sol que vai partindo a oeste. De fato, é um esplêndido local de observação. Adnir considera que as pedras são dólmens, ou seja, não são disposições naturais. Foram, em uma época indefinida, erguidas e dispostas para servir de marcação para observações astronômicas. Tal fenômeno, diz Adnir, ocorreu em muitos lugares do mundo na pré-história, sendo hoje o local mais famoso deste testemunho o círculo de pedras de Stonehenge, Carnac e Evebury, na Inglaterra, local que recebeu muitas pesquisas. Mas as pedras megalíticas, assim como os Sambaquis, estão por todos os cantos do planeta. Calçeone, no Amapá, Cromeleque dos Almendres, em Évora, Portugal são dois exemplos. Depois do observatório, seguimos para um “dólmen”, pedra isolada, vertical e lisa. Já é mais noite que dia. Cada vez menos luz.

Minha conversa com Adnir vai ficando cada vez mais pautada pelas narrativas outras. Enquanto Charles fotografa com as réstias de luz, busco compreender o incompreensível pelos relatos deste explorador contemporâneo, onde se faz arqueologia em centros urbanos, onde as cortinas do passado e presente se apresentam para quem tem a sensibilidade de percebê-las. A descida do morro acontece no escuro. Guarnecida por uma pequena lanterna que Charles trazia e os passos decididos de Adnir que conhecia o caminho de cor. No breu, conversamos sobre o universo a vida e tudo mais. Simples, porém sincero. Passando por uma pedra com inscrições fenícias, onde paramos para fotografar, descemos tranquilos até a sede do IMMA, onde o nosso guia iria falar finalmente sobre as inscrições rupestres (confira a entrevista de Adnir aqui ).

Para Adnir a coisa é mais ou menos assim: há muitos milhares de anos eles vieram para a montanha que se estende sobre o mar e deixaram gravado em pedra um código onde está inscrito de que somos feitos, como nossas menores partículas se arranjam e operam para permitir a preservação genética da espécie humana, de onde viemos, qual a causa de nossos problemas degenerativos e quais nossas possibilidades de futuro. E estas informações estão visíveis aos nossos olhos desde o primeiro momento da humanidade, em uma ilha do sul do Brasil, hoje chamada pela maioria dos que a visitam de Floripa. Este é o legado de mais de trinta anos de buscas e interrogações do menino filho de pescadores que foi levado por uma curiosidade infinita. Em um momento de encruzilhada, desistiu da pesca industrial e começou a pescar ideias e sentidos que estavam escondidos nas pedras. As regras de três da pré-história, em pontos que permitem visualizações entre cumes de morro, Sambaquis e ilhas, condecoradas com inscrições marcadas fortes em painéis de pedra preta, o diabásio, rocha mais maleável do que o granito. O negro diabázio, que lembra os grandes leões –marinhos que se banham no sol para cortejar as fêmeas e disputar a posição mais alta na pedra, negra como é negro o pelo do leão-marinho. Nossa conversa foi até quase às 23 horas. Encerramos a conversa em frente ao instituto onde as sombras marcam na parede coberta das imagens das gravuras reproduzidas por Adnir em um mural. Para o pescador autodidata, as sequencias de inscrições trazem as informações da origem da vida no planeta, sendo que cada painel deve ser lido inteiro, desde o primeiro deles em Porto Belo, passando pelo da ilha do Arvoredo e chegando ao do Campeche. A busca que começou em fevereiro de 1988 alcança hoje uma explicação biológica, onde a estrutura genética da vida estaria desenhada na pedra, com suas estruturas de carbono, RNA, DNA, cromossomos, células e todo o processo de multiplicação que levaram a estruturação da vida em sua forma mais complexa. Tudo isso retratando o ciclo da vida, do sexo, da cópula, da concepção, até a transferência genética, momento divino que nos aproxima dos deuses.


Sombra do Adnir sobre o mural com gravuras rupestres reproduzidas

Saímos da Barra da lagoa sufocados pelas explicações de Adnir. Junto com Charles percorremos por dois anos diversos pontos da “montanha que se estende sobre o mar”. Os distintos relatos, mesmo quando antagônicos, ajudam a produzir um mosaico de sentidos que formam a minha paisagem da população Sambaquiana, ainda tão pouco estudada, mas já fascinante por sua forma de vida, organizada de maneira a conviver com o ambiente durante milênios sem destruí-lo. Para os arqueólogos, a ausência de violência marcada nos esqueletos indica uma população pouco dada às artes da guerra. A alimentação farta, rica em proteína, fixou à população em todo o litoral centro catarinense, porém se espraiou também para o sul e o norte, onde outras paisagens marcaram o viver bem destes pescadores pré-históricos criativos, corajosos e que marcavam os ciclos da natureza com precisão.

Hoje, os mesmos lugares de pesca onde há grande piscosidade e fartura, seguem sendo usados pelos pescadores artesanais que insistem na vida mais dura, porém mais saudável, ocupando os mesmos costões e lages de onde há milênios os Sambaquianos retiravam sua comida. Mares, lagunas e costões não tinham exatamente a mesma configuração, mas as alterações do modo de vida teriam deixado herdeiros, embora não diretamente, mas em atividades e experiências registradas na história oral, na mescla cultural, na miscigenação, nas reminiscências sussurradas perto do fogo que reelaboram os sentidos das heranças dos que “percebem os testemunhos”.

Os Sambaquis seguem como testemunho de outras vidas, com seus sepultamentos que podem contar mais trechos da história interrompida. A arte e a vivência da natureza está expressa na produção mental elaborada de quem deu forma à rocha, nos zoólitos e artefatos únicos. Quantos ossos de baleia com inscrições ainda poderiam ser encontrados se mais pesquisas fossem feitas? Seria possível dimensionar para uma população o impacto de uma baleia ou tubarão no suprimento das necessidades de proteína dos pescadores? O maior segredo dos Sambaquis é que não podem ser esquecidos.



ENIGMA DAS PEDRAS




O português queria peixe. A pedra não disse nada. E peixe nunca faltou. Até a pouco, depois de milênios. E agora, diante de uma prática predatória que escasseia a comida farta que assegurou a fixação da população na região central do litoral de Santa Catarina por mais de cinco mil anos o que pode o descendente de misturas coloniais e locais fazer? O que ele poderia ver se olhasse para dentro de si mesmo, despido da empáfia cultural dos descobridores fugidos do escaldo das mutilações das lutas religiosas milenares. Aqui o mar não separava mais inimigos de fé, mais sim, de perspectivas distintas de estar no mundo. Coisas essenciais que aproximam ideias fendidas por noções ridículas de nação e país que não ecoam nas vastidões do mar, nas rotas mundiais das baleias, nas rochas marcadas por todo o globo.

Olhando para o sol as ideias queimam, ferozes, devorando-se insaciáveis.

O espanhol queria ouro. A pedra não disse nada. E não tinha ouro. Eram apenas gravuras que foram feitas com um trabalho árduo e lento de quem não tem pressa na alma. Em milhares de anos antes do tempo presente eles já estavam no litoral. Gostavam do belo. E gravavam sua vida em rocha, com rocha. Passaram milhares de anos e o local, para sempre sinalizado, atraiu os navegantes de todos os locais do mundo ou até de fora dele, dependendo das crenças de quem assiste, para aqueles locais maravilhosos. Havia a indicação. O caminho estava sinalizado por letreiros gigantes que não necessitavam de tradução. Ali estavam eles. Esperando para levar a travessia do tempo. Como disse Jorge Luís Borges, todos os caminhos levam à morte. Então, perca-se.

São muitas as pessoas que pensam a ilha, a montanha que se estende no mar. Ela pode ser vista de incontáveis pontos de vista. Cada relato é um ser humano, com tantos mergulhos no mar quantos sua trajetória permite. Os territórios sempre foram demarcados, seja lá a lonjura temporal onde você enfie a cara. Escrevo para você em tempo algum. Compasso meu ritmo de letras com milongas perdidas em almas e músicas. Convoco almas a cantarem nos espaço em branco de minhas linhas. E elas vêm, despacito no mas, agregar imagens de outras paragens. Sim, por aqui veio o emissário do Inca. Buscar suas mullus sagradas. Por estas linhas passaram os pescadores de canoa de todas as épocas. Nestas paragens emergiram sagrados territórios com seus esqueletos e caveiras deslocados no tempo e no espaço, ávidos de despontar sentidos em estrelas distantes, porém perdidas no infinito de cada horizonte. Descrever paisagens é emergir em sensações de outros, ensimesmadas em minutos estendidos por capricho de contemplação, respiração, saboreação, percepção de onde não havia ainda estado. Andei por praia, morro, estrada, avião, céu, barco, ônibus, e muito, muito a pé, no pé, com e sem calçados azuis alaranjados. Um bloco, dois, três, quatro, cinco e seis. Muitas as canetas perdidas e lápis quebrados. Como é cada vez mais difícil sair do conforto do nada e amar a aventura, aquela, a inevitável por sua própria força. Até que a gente cruza o umbral da porta. Já foi. Caminhar é necessário. Ver, sentir, imaginar. Primeiro você vê. Mergulha no ambiente com os outros sentidos, desliga o cérebro, engana a razão, sente o universo no grão de areia. O sentido em passado, reportagem em profundidade escrita em anos muitos, estradas vastas, mares infinitos e pessoas únicas.



AGRADECIMENTOS

Agradecemos ao povo do mar!


EXTRAS

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Infográfico: A paisagem de Sambaqui - Entenda melhor como vivia o povo do mar, disponível em PDF e em Imagem.

Veja o mapa de Florianópolis com as localizações dos Sambaquis: Mapa I, Mapa II




EXPEDIENTE

Reportagem: Carlos Dominguez
Fotos: Charles Guerra
Design Gráfico: Thaís Cristina Sehn e Samanta Olivo
Diagramação para web: Thaís Cristina Sehn
Diagramação para PDF: Samanta Olivo
Programação: Fabiel Luis Sehn
Edição entrevistas: Cadré Dominguez
Imagem e som de entrevistas: Charles Guerra
Edição e programação de google hearth: José Antônio Meira da Rocha
Trilha abertura entrevistas: Álvaro Pouey – improvisação sobre Nervana
Trilha sonora de passeio: Danza Paraguaya no.1 – Augustín Barrios (1885 – 1944)


CENAS PÓS-CRÉDITO

Cervejaria Sambaqui

Nesta montanha que se estende sobre o mar, meiembepe, não faltam lugares onde você para contempla e pensa. A cervejaria Sambaqui surgiu no bairro de mesmo nome. Uma homenagem singela dos cervejeiros da ilha aos primeiros habitantes.


Rup Burguer

Nas cruzadas automotivas não é que demos de cara com um local de lanches chamado Rup Burgues, onde a hambúrgueres com nomes de gravuras rupestres são servidos. Só conseguimos fazer as fotos, pois o local só abre à noite e era meio dia. Fica pra outra.




Bar do Ori

Tradicional buteco do bairro Abraâo. Lugar de sentar, apreciar a prosa e rabiscar anotações. Grande vantagem de ser do lado do apartamento do Charles, estar aberto quase que o dia inteiro, ter comida boa e nem tão barata, mas longe de ser muito cara.